O caso surreal do triste fim de uma resposta que não veio

[PARTE 01]

A rainha estava quase ao meu lado, ela não usava chapéu e seus cabelos, que foram tingidos de prata pelo tempo, estavam perfeitamente alinhados com a sua postura de quem sabe o que representa. Eu ocupava lugar especial naquele evento de gala no salão vermelho. Eu estava no palco, junto da rainha e fazendo par com todas as pessoas importantes. Enquanto o evento acontecia, o qual pouco sei o motivo, eu reparava nas pessoas que ocupavam as primeiras fileiras do grande hall, em especial, a família, cuja moça de vestido simples azul, me chamara a atenção desde quando passava pelas filas de espera para adentrar àquele lugar.

Não se tratava de entender a língua que se falava no local. Não precisava entender as palavras, eu precisava apenas estar lá e aproveitar a oportunidade para conseguir desvendar o enigma da minha ignorância. No momento apropriado, tirei a grande tela do meu bolso, com o intuito de mostrá-la para a rainha. A pintura flutuava sem nenhum constrangimento, e somente ela conseguia vê-la, apesar de ter o tamanho de um trator.

Eu queria muito ter uma resposta. E a opinião da rainha, em definitivo, poderia me ajudar a ter uma resposta. Quando juntei toda a coragem que nunca tive embebida por uma repentina petulância que se traduziu em minha voz um tom de casualidade e intimidade eu perguntei: o que a senhora pensa sobre terem tirado a grande estatua do homem nu do museu e colocado essa pintura de instruções?

Percebi que o lapso de tempo que ela usou para analisar a pintura não correspondia nem ao passar de um segundo, mesmo sendo uma eternidade para eu, que dentro estava do lapso. De todo modo não me importei em esperar, afinal, eu teria a resposta. Seu olhar percorria pelas colagens de jornais, demorava nas figuras deformes que pareciam se movimentar, dançava com as pinceladas rápidas que, às vezes, davam lugar, às pinceladas precisas e atentas, formando a ideia de um mundo à parte.

Quando ela voltara o olhar para mim, e a grande obra já não estava mais lá, ela simplesmente faz um sinal de afirmação com a cabeça e chama seu marido através de um gesto pequeno com a mão. Mesmo usando uma saia que dificilmente seria confortável para o que ela viria a fazer a seguir, ela pulou nos braços de seu já senil marido e o abraçou fortemente não apenas com os braços em volta do pescoço, mas também com as pernas, que se posicionaram na altura da cintura. Evidentemente, o marido se desequilibrou e ambos caíram em um vão que estava ali o tempo todo e ninguém percebera, até então. 

Do mesmo modo, ninguém percebera o incidente e como a rainha se recompôs. Mas eu vi, da minha posição questionavelmente privilegiada que a meia calça não era capaz de segurar o sangue que começara a manchar em alguns pontos aleatórios, nas dobras dos joelhos para baixo. Ela, por sua vez, não demonstrara nenhuma reação de dor, nem sequer desconforto. Enquanto eu, estava desesperado, só não sei se assim me sentia por conta daquele incidente ou por não ter tido a resposta nem da própria rainha.

Minha agonia sugeriu ter começado a passar apenas quando a cerimonia terminou e a rainha se sentou. Aos poucos ela se transmutava em uma jovem mulher e os detalhes pratas do cabelo agora eram adereços do vestido turquesa. A plateia ainda estava lá, esperando algo. E nós não saímos dos lugares, apesar de ninguém ser mais o mesmo pois, assim como a rainha, todos os demais estavam diferentes. Eu já não sei como eu estava, apesar de me sentir exatamente igual.

Neste instante meu estômago se contorceu ao perceber que a moça da família que eu observara na fila antes do evento, segurava uma arma e ninguém parecia se importar. Foram duas ou três tentativas de se matar com um tiro na testa, mas ela parecia não ser forte o suficiente para apertar o gatilho. Ninguém parecia se importar, nem os membros de sua própria família que estavam sentados aos lados dela, e mantinham em seus rostos redondos expressões de anjos barrocos, mas sem o olhar de perversão. Ninguém, parecia sequer perceber a situação. 

Esbocei uma invisível reação, ou imaginei isso, mas fui acovardado quando percebi um jovem rapaz, que estava sentado a dois lugares da minha direita, se levantar. Ele era extremamente bonito, de uma beleza não humana, havia algo artificial nele, algo robótico demais. Não sei o que ele disse, talvez eu não entendia ou não conseguira prestar atenção, absorto aquela beleza não humana. 

Eu só sou capaz de lembrar que ouvia apenas um silvo fraco e agudo. Mas funcionara, e a moça desistira de se matar! E me sentia culpado e aliviado e sentia que tinha que sair dali.  Percebi que não encontraria qualquer resposta em cima do palco e ao lado de pessoas importantes ou robôs metamorfos. Tinha que correr de lá e, nessa altura, tinha certeza que não precisava esperar nenhuma repreensão por quebrar o protocolo e sair do palco repentinamente.





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