Sobre o domador encurralado

Tenho recolhido pequenas migalhas de reconhecimento. Como um desamparado sem teto, cuja única certeza foi ter perdido todas as certezas de ser quem queria ser na medida em que deixei que os outros ditassem a minha própria felicidade.

Sou o contrário do existir. Fico as margens, e me saboreio das partículas de alegria postadas diariamente pelos meus conhecidos e outros tantos que tenho só posso ter uma certeza: nunca os verei pessoalmente. Pois os acasos dos encontros não estão na minha agenda de realidade.

Querem me ensinar como devo abraçar... E recolho também sorrisos de aceitação. Mesmo que eles venham cheios de espinhos. A cada “o que você é? ” “Porque não está falando com fulano? ” “Aconteceu alguma coisa? ”, minha reação é encher as pessoas de tudo o que elas precisam para, no fundo, elas esquecerem que eu existo.

Fico me perguntando quantas vezes sou questionado por fins de vaidade ou um modo ardiloso e mascarado de proferir inveja e preconceito. Parece que a porta que havia aberto a alguns de vocês não tivera sido à da intimidade desmedida. Estou encurralado por essa invasão, pois sinto que os vampiros perderam a necessidade do “seja bem-vindo” para entrar em minha vida.

Questiono também meus sentimentos. Se é que um dia eles foram meus. Hoje me afasto da possibilidade do afeto pois são tantos outros me sugando e julgando que só tenho tempo para ser qualquer outra coisa, menos eu mesmo. Subverto os valores e ações que sabia serem as corretas para alimentar a minha necessidade de aceitação. Parece certo me afastar do gostar para que os outros sorvam de mim: que se esbanjem.

Nessa altura, deito sem a esperança de ter o beijo de Morpheu. Estou esbagoado por demais, a ponto de me suprir apenas com a indigência de existir. Dou dois cliques, uma senha e algumas rolagens e com o dedo e continuo me alimentando, do mesmo jeito que os outros se alimentam de mim. E assim foi, até eu decidir morrer.

Renasço finalmente: me amo!

Goya, Vuelo de Brujas. 1797-8


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